Wednesday, December 23, 2009

Ritmos

A vida tem na aldeia um ritmo que a cidade nunca poderá entender. Cada compasso, aqui, dura um ano certo. Porque se mata o porco só pelo Natal, se os salpicões ficam salgados passam-se trezentos e sessenta e cinco dias a repetir:
-- Os salpicões ficaram salgados.
A correcção apenas se poderá fazer no ano seguinte.
Cada semente que a mão lança à terra, cada árvore enxeertada, cada lagar de vinho, prendem o homem a um pelourinho de expiação,de doze meses. Desde que haja engano numa realização, só na próxima sementeira, época ou colheita se poderá retomar a liberdade, para de novo semear, enxertar e pisar -- e apagar da própria alembrança e da dos vizinhos o erro vital cometido.

Miguel Torga - Diário IV

Nesta época de tradicional regresso às origens, às raízes, só podemos desejar Boas Festas. Que cada um siga o seu ritmo, seja ele qual for. Com poucos erros, se possível. Tudo do melhor!

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