Friday, January 4, 2008

A Capital às voltas com a hora legal

In Notícias da Manhã (4/1/2008)
Ana Serra

«O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem, e o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem». Assim o diz o trava-línguas, num diálogo entre o tempo que diz respeito à meteorologia e o tempo do relógio, o que conta os segundos, minutos e horas do nosso dia-a-dia. A necessidade de cronometrar as actividades da nossa vida levou a que, durante toda a sua evolução, o homem viesse a desenvolver ciências e instrumentos que regulassem esse fenómeno transcendente ao Ser Humano - o tempo. A astronomia e a astrofísica são ciências intimamente ligadas ao controlo do tempo, ou não fosse através do Sol uma das formas mais elementares de nos guiarmos no tempo. E é também em função do Sol, ou melhor, na tentativa de aproveitar ao máximo as horas de luz que este nos disponibiliza, que surgiu o regime diferenciado de hora de Inverno e hora de Verão. Portugal adoptou esse regime em 1911, juntamente com a Inglaterra, onde se localiza o meridiano pelo qual regulamos os nossos relógios. É o meridiano de Greenwich que delimita a nossa «hora legal», segundo a qual organizamos as nossas actividades civis, sociais e profissionais. Quatro anos mais tarde foi criado o Serviço de Hora Legal e o Relógio da Hora Legal passou a ser público, acessível à população que todos os dias se movimentava na zona ribeirinha lisboeta. O Cais do Sodré foi o local escolhido para servir de pulso ao relógio que respondia à “necessidade de mostrar de forma eficaz a hora certa, principalmente na zona ribeirinha, onde estava grande parte da vida da cidade”, explica Rui Agostinho, Director do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL).

O relógio da «Hora Legal»
O relógio da hora legal do Cais do Sodré ficou então aos cuidados do OAL, o qual representa uma entidade com objectivos científicos e a única instituição capacitada, por lei, a certificar a legalidade da hora. No entanto, a manutenção física do instrumento ficava a cargo da Administração de Portos de Lisboa, uma vez que era nas suas instalações que o Relógio da Hora Legal estava exposto. Desta forma, “ao OAL competia enviar os sinais para garantir a hora legal” aos milhares de pessoas que por ali passavam e cronometravam as suas agitadas vidas quotidianas, conta Rui Agostinho, que assinala as implicações sociais e não somente cientificas de controlar a hora. Esta é uma das razões apresentadas por Rui Agostinho para que, nos anos 70, quando o Relógio da Hora Legal começa a apresentar problemas de funcionamento, o OAL pede à Administração dos Portos de Lisboa, incumbidos da sua manutenção técnica, que “seja retirado ao relógio o estatuto de hora legal para não induzir as pessoas em erro”. O estatuto foi retirado mas não a indicação que o define como o relógio da «Hora Legal».

O «tic-tac ilegal»
O relógio permaneceu, mas a hora legal não. Em 2001, o relógio que já fazia parte da história da vida na Capital foi retirado, regressando, no entanto, ao local no passado mês de Novembro, sob a forma de um instrumento de tecnologia digital e com um design mais moderno. A reposição do relógio do Cais do Sodré, mas não da legalidade da hora que dava, levou à criação de um Observatório dos Relógios Históricos de Lisboa (ORHL). “A ideia surgiu a partir da notícia da reposição do relógio da hora legal, que não é legal. Juntei-me com uns amigos e de inicio será só um blog mas depois logo se vê”, afirma um dos fundadores, Paulo Ferrero.
Apesar de ainda sem qualquer ligação de esforços, o director do OAL partilha da posição defendida pelo recém-criado observatório dos relógios históricos. “Gostaria de voltar à História e à tradição, seria bonito para a cidade de Lisboa se o relógio voltasse a ter hora legal”, confessa Rui Agostinho, que adianta já ter estabelecido contactos com a Administração dos Portos de Lisboa nesse sentido para que “o público tenha a garantia de que o relógio voltasse a ter a hora legal”. Da mesma forma, Paulo Ferrero, admite que lhe agradaria uma ligação do OAL ao ORHL “para que seja reposta a verdade naquele relógio”.

Observatório dos Relógios Históricos de Lisboa
“Apenas nos interessam os relógios históricos e entre eles os mecânicos e os de sol, já que dos astronómicos nem vê-los por cá. Em Lisboa, o panorama é mau, pelo estado de abandono, uns, pela ignorância e desprezo com que são tratados, outros. Vamos dar tempo ao tempo e ver se chegamos a horas para alguns deles”. Estas são algumas das primeiras linhas do blog que dá imagem a este observatório. “Chamar a atenção dos cidadãos e lançar apelos às entidades” para a protecção dos relógios históricos da Capital são o principal objectivo do ORHL. São muito os relógios emblemáticos que contam as horas e os minutos de Lisboa, mas que agora, na era digital e electrónica, estão votados ao esquecimento e abandono, quer por parte das autoridades competentes da sua manutenção, quer pelos próprios cidadãos que por eles passam, sem se aperceberem da sua existência.

“Preservação da nossa arte e História”
À criação deste Observatório dos Relógios Históricos de Lisboa, Rui Agostinho responde considerando-a “uma boa medida, tal como todas as que se dediquem à preservação da nossa arte e História”. Também o OAL se dedica à preservação de relógios históricos, que, neste momento, não desempenham um serviço útil, pois não são necessários, mas que devem ser mantidos em boas condições. Sendo a hora, o «tic-tac» vital da vida em sociedade, o director do OAL salienta a importância da certificação de que esse batimento está certo e acessível a toda a população. Para tal, Rui Agostinho defende a ligação dos relógios públicos ao OAL, não só em Lisboa, mas também em outras cidades do País. “Garantimos qualidade da hora, mas precisamos de parceiros, tais como, fabricantes de relógios e câmaras municipais. È um grande desafio, mas possível”, afirma o director do OAL, Rui Agostinho.

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O relógio da Torre do Galo
O relógio da Torre do Galo situa-se na Ajuda, tendo sido a torre que o alberga, construída junto à capela real da Real Barraca. Vizinho do Palácio da Ajuda, este marcador do tempo começou a trabalhar em 1976, fruto da obra do relojoeiro do Convento de Mafra, José da Silva Mafra. Em 1794, a capela real ardeu e, desde aí, a sua estrutura encontra-se em risco eminente de ruir. O ORHL vem então alertar para o estado de degradação da zona que envolve o relógio. “A torre ardeu, estando o relógio em risos de ruína, embora o mecanismo esteja bem”, advertiu Paulo Ferrero, adiantando que o ORHL pretende, já no próximo mês de Janeiro, fazer um “apelo ao Ministério da Cultura e ao Ministério das Obras Públicas por causa da situação do relógio da Ajuda e de toda a zona envolvente do palácio”.

O relógio dos Capuchos
Ninguém dá por ele, mas ele existe há já 421 anos no Hospital dos Capuchos, onde dá nome ao pátio que adorna - Pátio do Relógio. É um dos exemplares mais antigos de relógios de Sol, situado na antiga cisterna do convento dos Capuchos, servindo a boca de apoio ao relógio em pedra, onde ainda podem ser lidas as iniciais do construtor e a data da sua construção, 1586. O seu estado de má conservação testemunha o esquecimento e indiferença a que foi lançado e que o ORHL pretende relembrar.

Relógio de Sol de Belém
Ao passear pelo jardim dos Jerónimos pode ser vista uma grande âncora, talvez uma herança de algum navio naufragado, um testemunho dos Descobrimentos portugueses? Pois não, pode não parecer mas esse grande objecto de metal era um relógio de Sol, ali exposto aquando da Grande Exposição do Mundo Português, em 1940. À sua volta, estavam dispostos vários canteiros sob a forma de «mapa mundi», que representavam os quatro cantos das ex-colónias lusas. “O jardineiro que o preservava reformou-se nos anos 90 e desde aí, o relógio de Sol ficou reduzido a nada mais que uma âncora”, explica Paulo Ferrero»

O meu obrigado à Ana Serra e ao Notícias da Manhã.

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