Sunday, January 6, 2008

Sul e Sueste







Neste caso, como noutros, fica-se na dúvida sobre por onde começar: se pelo estado do relógio, se pelo estado do edifício, porque a imagem de desconsolo é a mesma para onde quer que se olhe na Estação Fluvial de Sul e Sueste. Quando se espera um transporte é no relógio da estação que se confia, mas neste caso, como noutros, o entendimento parece ser outro: parado, com o mostrador partido e embaciado pela humidade do Tejo, este relógio é hoje um elemento deixado à deriva, da mesma forma que à deriva está, em matéria de conservação, esta peça de arquitectura-chave (projecto de 1928/9, aberto à exploração em 1931) do nosso primeiro modernismo.

O seu autor, que muitos relembrarão de imediato pelo contributo que deu aos anos de ouro do cinema português com A Canção de Lisboa, foi sobretudo arquitecto, de equipamentos públicos, em particular ao serviço dos Caminhos-de-Ferro, de que foi quadro ao longo de toda a sua vida adulta: Cottinelli Telmo (1897-1948), “espírito irrequieto e apaixonado”, como escreve o Prof. José-Augusto França, cuja avidez pela vida o levaria a dedicar-se a um sem-número de outras actividades como a ilustração, com realce para a BD, a música ou a dança.

A 18 de Setembro deste ano passarão 60 anos sobre a sua morte, em circunstâncias trágicas, num acidente de pesca nas águas de Cascais. A ter que se começar por algum lado nesta que foi uma das principais estações que projectou, por que não começar pelo relógio, restaurando-o?


Créditos das três últimas imagens: Fachada principal da estação fotografada por Fernando de Jesus Matias, em finais dos anos 50/Arquivo Fotográfico de Lisboa; Ficha de registo de Cottinelli Telmo como funcionário dos Caminhos-de-Ferro/Arquivo da CP

No comments: