O que se passa com a Torre do Galo é uma vergonha, mais a mais estando paredes meias com o antigo IPPAR, hoje IGESPAR. Um incêndio que terá sofrido no final do séc. XX fez com que as suas estruturas interiores, em madeira, estejam em risco iminente de ruir. No seu interior, lá em cima, e em que estado... poderá estar um dos mais interessantes exemplares da relojoaria grossa nacional. Mas vamos um pouco atrás...
D. João V alçou a capela real, ao Paço da Ribeira, à categoria de Patriarcal, e adjacente a ela ficou uma célebre Torre do Relógio, da autoria do arquitecto italiano Canevari. Mas ela só durou umas escassas décadas, já que o terramoto de 1755 destruiu o Paço e tudo à volta, e essa é outra história. Com a construção da Real Barraca, à Ajuda, fez-se nova Patriarcal, de que a Torre do Relógio ou do Galo (por ter um catavento em forma de galo) fazia parte. A comunidade da Ajuda regeu-se durante mais de um século por este marcador público do Tempo e, por exemplo, o regulamento da Biblioteca vizinha refere, no horário, que a entrada dos funcionários e o encerramento dos serviços se devia fazer obedecendo diariamente ao que os sinos da torre e o seu relógio ditassem.
Penso, mas não tenho a certeza, que ainda lá se encontrará uma máquina construída por José da Silva Mafra, cuja entrada cito de "Relógios e Relojoeiros - Quem É Quem no Tempo em Portugal" (Âncora, 2006):
MAFRA, José da Silva
Relojoeiro do convento de Mafra, “artista habilíssimo”, nascido a 1790, foi o autor do mais notável relógio Português que foi colocado na extinta Patriarcal de Lisboa, começando a trabalhar no dia 8 de Setembro de 1796. A obra durou mais de cinco anos a fazer e custou mais de 100.000 cruzados. O construtor ficou seu cuidador, seguido dum seu filho que ficou a exercer o cargo a partir de 24 de Dezembro de 1814, até à extinção da Patriarcal. José Mafra, em 1843, inventou um mecanismo, “por meio do qual se reduziu a um só o emprego diário de dois homens, que eram absolutamente indispensáveis para dar corda ao dito relógio”. Fez uma fábrica de peças licenciada por alvará de 21 de Junho de 1785. Entre os manuscritos da Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, encontra-se um Rol de Confessados de 1812, do Sítio da Ajuda, onde se faz referência ao “relojoeiro da Patriarcal, José da Silva, natural de Mafra”, o que mostra que o seu apelido de família era Silva, mas que, a partir dele, o local de nascimento, Mafra, passou a ser apelido, o que era normal na época.
Uma intervenção geral na Ajuda é há muito reclamada, para ordenamento do anárquico espaço público de um sítio de localização geográfica de eleição e tão carregado de história. A recuperação da Torre do Galo, com o restauro da máquina de Silva Mafra e sua museologização e contextualização in situ seria apenas uma gota de água, mas podia começar-se por ela...
Wednesday, December 12, 2007
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